sexta-feira, 11 de julho de 2014

A Patologia que Mais Médicos não podem curar: a Ditadura Disfarçada!





Por Amanda Lucas* e Isis Castro**.

O tão polêmico “Programa Mais Médicos” foi lançado pelo Governo Federal através da Medida Provisória nº 621, de 2013, convertida na Lei nº 12.871, de Outubro do mesmo ano, com o propósito de promover um melhor atendimento aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). Para tanto, traz como principais metas o investimento na infraestrutura de hospitais e unidades de saúde, bem como a redução da escassez de médicos nos municípios do interior e nas periferias das grandes cidades do país.  A fim de suprir a ausência de profissionais de saúde em algumas regiões do Brasil, o Ministério da Saúde autorizou a vinda de médicos estrangeiros, considerando que aqui no Brasil há um índice de 1,8 médicos para cada mil habitantes, enquanto que outros países, a exemplo de Espanha e Cuba, têm 4 e 6,7, respectivamente[1].
Consoante reportagem veiculada pela Revista Veja em 01 de Abril de 2014, 13.325 médicos atuam em tal programa, dos quais 80% são cubanos. Entendamos a questão. No dia “21 de Agosto de 2013 é assinado o ‘Acordo de cooperação técnica para ampliar o acesso da população brasileira à atenção básica em saúde’, fruto da parceria da Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS) com o Ministério da Saúde do Brasil. Este acordo concretiza o apoio à implementação do ‘Programa Mais Médicos’”.[2] Ocorre que mais de R$ 10.000,00, por médico, são transferidos mensalmente à OPAS e, de lá, a quantia é encaminhada a uma empresa ligada ao Ministério de Saúde de Cuba, que faz o pagamento. O absurdo é que dos R$ 10.000,00, aproximadamente R$ 3.000,00 (antes de março deste ano, R$ 940,00) são disponibilizados aos profissionais cubanos. O remanescente fica retido pelo governo de Cuba.
Diante de tantas controvérsias, o Supremo Tribunal Federal vem investigando se a Lei nº 12.871 de 2013, que instituiu o Programa, padece de vício de inconstitucionalidade. Inclusive o jurista Ives Gandra esclarece que, pelo contrato, os cubanos estão impedidos de mencionar o teor do documento assinado com o governo cubano, transitar livremente pelo Brasil e até manter um relacionamento amoroso com brasileiros.  Segue afirmando: “Nós estamos evidentemente com um regime jurídico para todos os médicos estrangeiros e um regime de escravidão para os médicos cubanos[3]”.  
Com a proibição imposta aos médicos cubanos de adquirirem relacionamentos amorosos com brasileiros, provavelmente o que se queria evitar era a constituição de famílias aqui no Brasil. Contudo, tal proibição mostrou-se ineficaz e, em notícia veiculada pela Revista Isto É [4] em Março de 2014, à véspera do Dia das Mães, noticiou-se que cinco médicas cubanas haviam engravidado. O que não se esperava, todavia, era a reação do governo Raúl Castro que, em resposta ao ocorrido, lhes facultou duas opões: abortar ou retornar a Cuba!
O aborto, em Cuba, é legal, sem restrições. Trata-se de prática permitida desde 1965, sendo um mecanismo muito utilizado como método contraceptivo, o que vem causando problemas para o país, ao contribuir com a redução da população, já que a taxa de fecundidade é baixa. É permitido até a décima semana de gestação e o Ministério de Saúde Pública de Cuba provê de forma gratuita à população cubana. Considera-o, portanto, de direito de todo cidadão, ainda que contraindicado pelos médicos. Também é permitido no país o aborto eugênico, modalidade que autoriza que sejam eliminados fetos que contenham qualquer tipo de deficiência. Deste modo, para os cubanos, pode soar “natural” a imposição do aborto às médicas participantes do Programa Mais Médicos.[5]
Acontece que, no Brasil, aborto é crime tipificado nos artigos 124, 125 e 126 do Código Penal brasileiro (decreto-lei nº 2.848/1940) e a criminalização de tal conduta objetiva a proteção do bem jurídico “vida humana intrauterina”, que se inicia a partir da nidação, ou seja,  da fixação do óvulo no útero da mulher. O art. 124 do CP trata do autoaborto, aquele em que a gestante realiza o aborto em si mesma ou consente que terceiro lho provoque, respondendo pela pena de um a três anos de detenção; já o aborto praticado por terceiro sem o consentimento da gestante está tipificado no art. 125 do CP e estabelece como pena, reclusão de três a dez anos; por fim, o aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante é encontrado no art.126 do supracitado Código e comina a pena de um a quatro anos de reclusão..
Observe que, da prática do aborto com o consentimento da gestante, o terceiro que o provocou se submete à pena de reclusão de um a quatro anos, cominada no art. 126 e a gestante, por sua vez, responde pelo art. 124, cuja pena é de detenção de um a três anos.
Neste sentido, seria, a imposição do governo Raul Castro às médicas cubanas, juridicamente aceitável perante o ordenamento brasileiro? Nosso Código Penal, em seu art. 5º, adota, como regra, o princípio da territorialidade. Diz Bittencourt: “Pelo princípio da territorialidade, aplica-se a lei penal brasileira aos fatos puníveis praticados no território nacional, independentemente da nacionalidade do agente, da vítima ou do bem jurídico lesado. A lei brasileira adota essa diretriz como regra geral, ainda que de forma atenuada ou temperada (art. 5º caput, do CP), uma vez que ressalva a validade de convenções, tratados e regras internacionais[6]”. A princípio, pelo dispositivo, aplicar-se-ia a norma brasileira que pune o aborto, no entanto, ressalva o mesmo artigo a validade de convenções, tratados e regras internacionais.
Para o advogado Claudio Mikio Suzuki, o acordo em questão tem natureza jurídica de contrato, o que nos levaria à aplicação direta do artigo 5º do CP, vez que não se enquadra à exceção.[7] O jurista Ives Gandra Martins entende que, ainda que considerado como tratado, seria uma lei ordinária especial que não se sobrepunha à norma constitucional. Neste sentido, podemos enfatizar o art. 4º, II da Constituição Federal, que determina: Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: II - prevalência dos direitos humanos.
 Evidentemente, além de representar mácula ao artigo acima mencionado, o aborto ou a extradição ferem o princípio constitucional maior, qual seja a dignidade da pessoa humana. Sebastião Caixeta, procurador do MPT, ressalta que importante “é a legislação nacional, e ela não possibilita esse tratamento desigual e não possibilita pretender-se aplicar no Brasil legislação de Cuba”. Logo, não pode o aborto ser conduta punível para todo e qualquer indivíduo que no Brasil o pratique, excepcionando-se apenas as cubanas do Programa em questão. Por outro lado, impor a extradição nestas circunstâncias fere nossas referências de dignidade da pessoa humana, princípio maior de nossa Constituição, conforme já explanado. E, segundo boatos que circulam na internet, como no site “Libertar.in”, já existe o relato de três médicas que voltaram a Cuba para lá realizarem o procedimento abortivo, já que naquele país aborto não é tipificado como crime.
Nosso Estado Democrático de Direito deve atuar como tal diante de todos que se submetem ao exercício de sua soberania, aplicando sua legislação aos brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, de forma que a soberania, fundamento deste Estado, à luz da Magna Carta, art. 1º, I, não passe de um apetrecho descartável, suprimido pelo interesse ilegítimo de outro país.
Deste modo, aquiescer com o aborto ou a extradição como únicas opções às médicas cubanas seria assentir com a inaplicabilidade do sistema democrático nacional sobre todo e qualquer indivíduo, selecionando-se, em verdade, a “pessoa digna” de ter sobre si a aplicação e proteção do princípio da dignidade da pessoa humana. 


*Aluna do 7º semestre de Direito da Faculdade Baiana de Direito e Gestão, Salvador-BA. Contato: amandacarolinalucas2@gmail.com
**Aluna do 7º semestre de Direito da Faculdade Baiana de Direito e Gestão, Salvador-BA. Contato: isiscastro.castro28@gmail.com

Referências Bibliográficas:








[1] MAFRA, Josiane Wendt Antunes. Caracterização Jurídica do Programa Mais Médicos. {online} < http://jus.com.br/artigos/29255/caracterizacao-juridica-do-programa-mais-medicos>. Acessado em 21 de junho de 2014.
[2]ROSA, Jackson da; RUSANSKY, Tamara. Acordo de Cooperação entre brasil e OPAS – Vinda de médicos estrangeiros. {online}. Acessado em 11 de junho de 2014.

[3]Site Jornal Nacional. MPT investiga irregularidades no contrato de cubanos no Mais Médicos. {online} <http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2014/02/mpt-investiga-irregularidades-no-contrato-de-cubanos-no-mais-medicos.html> . Acesado em 11 de junho de 2014.
[4]Revista IstoÉ, Edição 2303. Publicado em 21 de março de 2014. A gravidez de cubanas no programa “Mais Médicos”. {online}. < http://www.istoe.com.br/assuntos/semana/detalhe/353715_A+GRAVIDEZ+DE+CUBANAS+NO+PROGRAMA+MAIS+MEDICOS> Acessado em 22 de maio de 2014.
[5] AZEVEDO, Reinaldo. Cuba, a farsa – A baixa mortalidade infantil no país que pratica a eugenia se deve a um número escandaloso de abortos. As mentiras sobre o passado e o presente de Cuba e dois vídeos sobre o que só os cubanos veem. {online} <http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/cuba-a-farsa-a-baixa-mortalidade-infantil-no-pais-que-pratica-a-eugenia-se-deve-a-um-numero-escandaloso-de-abortos-as-mentiras-sobre-o-passado-e-o-presente-de-cuba-e-dois-videos-sobre-o-que-so-os/> . Acessado em 11 de junho de 2014.
[6] BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal, Volume 1: parte geral. 14 Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. P.184
[7] SUZUKI, Cláudio; ARMOND, Marina. Será usada a lei penal do Brasil ou de Cuba aos cubanos do “Mais Médicos”? {online} <http://atualidadesdodireito.com.br/claudiosuzuki/2013/09/30/sera-usada-a-lei-penal-do-brasil-ou-de-cuba-aos-cubanos-do-mais-medicos/> . Acessado em 02 de junho de 2014.

Um comentário:

  1. Parabéns pelos caminhos que o artigo despertam! Não sou contra ou favorável a vinda de Cubanos médicos ao Brasil, até porque tenho uma amiga de ginásio que formou-se nos bancos da medicina dos Castros! E hoje está na Africa continental! A forma é que está errada! Mas são outros porqueres ou por quês! Isso é estratégico para uma nação? O aborto é e não é opção ou religião ou lei de algum religioso que meteu no CP velho. O fato é que a estratégia de conduzir a Nação com os NU ou não é muito mais amplo? Quais as profissões que precisaremos no futuro? A curto médio e longo prazo? A Alemanha, Suíça e outros nobre países pensam assim! Ou faltamos (Brasil) motoristas de carretas? Pode Manda? Bejo e Parabéns! Te Amo!

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