quarta-feira, 11 de maio de 2016

A Culpa da Flor

A culpa da Flor

                                                                                                    Karen Kuentzer[1]

No dia 17 de abril de 2016 por volta das 19h de um dia de sábado, na cidade de Salvador-Bahia, resolvi sair com alguns amigos para conhecer uma nova pizzaria na cidade. Foi então que, durante o percurso feito de carro nos deparamos com uma cena um tanto quanto imprevisível: Um carro de repente  encostou em uma via, bem conhecida e movimentada em dias e horários regulares da cidade, e a motorista desceu do carro que, aparentemente não havia mais ninguém, para pegar uma flor que se encontrava em um canteiro que separava as duas pistas contrarias do fluxo de veículos.
Na mesma hora, todos que estavam no carro comigo pensaram a mesma coisa: “Que mulher louca, largar um carro no meio da pista em um dia com pouco movimento e a noite para pegar uma flor? Esta pedindo para ser assaltada!” ou então “ Depois roubam o carro e não sabe porque foi! Que descuido!”. Entretanto, o meu pensamento foi um pouco além destes. Logo me lembrei das aulas do grupo de estudo sobre vitimologia em que nos discutíamos a doutrina trazida por Bernard Schünemann, autor alemão, em que ele defende que vitimas imprudentes, negligentes e descuidadas devem arcar de algum modo pelo seu comportamento omissivo na proteção de bens jurídicos. Vale explicar um pouco mais como se da o pensamento desse autor.
Para Schünemann ,o Estado além de se voltar para o comportamento do autor deve também analisar o comportamento da vítima, obrigando esta a ser cuidadosa e proteger seu bem jurídico, sob pena de a negligência no cuidado  repercutir no desmerecimento da proteção do bem jurídico e com isso não ser possível interpretar a conduta do agressor como típica e assim sendo merecedora de sanção penal.
Então, ao ver aquela cena, que a primeira vista tem até um caráter poético e inocente, pensei: poderia esta moça ser considerada “culpada” caso um outro individuo se aproveitasse da situação de descuido da vitima para pratica de um delito? Poderia o estado excluir dessa moça a possibilidade de proteção penal diante de um eventual delito? O individuo poderia sair ileso de sua pratica criminosa, consciente e por vontade própria, só pelo fato da vitima não ter protegido seu bem jurídico(seja vida, seja o carro) corretamente?
Ao meu ver, parece absurda a possibilidade de se excluir a tipicidade de um crime pela negligencia e imprudência da vitima, que em momento nenhum consentiu com a lesão sofrida. É irrazoável pensar que nós, de um modo geral, temos que estar 24h por dia protegendo todos os nossos bens jurídicos  sob pena de não puder invocar a proteção do estado. Se é verdade que o momento que mais precisamos do estado é aquele em que estamos em uma situação de vulnerabilidade, não faz sentido querer exclui deste momento a proteção do estado, afinal se este não proteger nesses momentos, em quais mais ele protegerá?
Assim sendo, essa doutrina trazida por Schünemann é descabida e desproporcional uma vez que cria uma “culpa da vitima” modificando o foco da culpabilidade do crime para a vitima e, mais que isso, a pune por comportamentos realizados por terceiros.
Portanto, conclui-se que não se pode atribuir responsabilidade a moça que, por mais consciência do perigo e dos riscos que poderia correr , saiu do carro em uma via escura e propícia a assaltos para pegar uma flor, vez que não foi esta que deu causa ao crime e muito menos o executou. O crime existe independentemente de comportamentos “corretos” de suas vitimas.



[1] Estudante do 6º semestre da Faculdade Baiana de Direito e Gestão ,participante do grupo de estudos direito penal e vitimologia. Email: karen.evangelista@hotmail.com

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