quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Culpa da Vitima e a Polêmica Medida adotada pelo Ifba.

  No dia 28 de outubro de 2015 foi publicada uma matéria no site jornalístico Ibahia acerca da polêmica medida adotada pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia(IFBA) com os seus alunos nas ultimas três semanas.  Utilizando como justificativa a garantia da segurança dos alunos, o Ifba está proibindo a entrada de alunos em suas dependências com roupas/trajes “inapropriados”. Segundo depoimentos dos próprios alunos da graduação os seguranças estão autorizados a proibir a entrada de alunos “trajados de forma  não condizente com a repartição publica”.[1]
  Nenhuma restrição consta no manual do aluno de graduação, entretanto, saias e vestidos só podem ser usados abaixo do joelho, shorts, camisetas cavadas e sandálias são totalmente proibidos depois da adoção desta medida. A polemica medida de segurança aumenta ainda mais quando os alunos acusam os porteiros e seguranças da instituição de tratamento diferenciado para homens e mulheres. Foram relatados na matéria abusos em que se permitia a entrada de homens usando bermuda e sandália e de outro lado se proibia a entrada de mulheres com vestidos acima do joelho ou até mesmo com roupas não tão expostas.
  Tomando como base a medida adotada pelo Ifba e a sua justificativa de proteger e garantir a segurança de seus alunos pode-se traçar um paralelo com as ideias defendidas pelo professor e jurista alemão Bernand Schünemann. Ele traz a ideia de que o direito penal protege bens jurídicos em ultima ratio, ou seja, somente age quando for necessário: quando a vitima e o estado tomaram todos os cuidados para a proteção do bem mas o dano ainda assim ocorreu.[2] Segundo o autor, o estado além de se voltar para o comportamento do autor deve também analisar o comportamento da vítima, obrigando esta a ser cuidadosa e proteger seu bem jurídico, sob pena de a negligencia no cuidado  repercutir no desmerecimento da proteção do bem jurídico e com isso não ser possível interpretar a conduta do agressor como típica. A vitimodogmática trazida por Schünemann afirma ainda que não é possível punir o autor do delito também nos casos em que a vitima desconfia que irá sofrer lesão e continua a negociar com o autor(como no crime de estelionato).
  Percebe-se portanto que a ideia trazida por Schünemann de uma possível “culpa da vitima” no delito é o que fundamenta o argumento utilizado pela instituição de ensino acima reportada. As mulheres, principalmente , deverão se vestir de forma apropriada, com roupas que não mostrem muito o corpo(vestidos e saias abaixo do joelho) e sandálias fechadas para que sua segurança seja assegurada. A culpa de um possível dano seria portanto da roupa utilizada pela mulher e não do autor do dano. Apropriando-se da ideia do renomado autor e aplicando-a ao extremo em um caso concreto poder-se-ia até dizer que se uma mulher não tivesse vestida “adequadamente”  na instituição e viesse a sofrer um dano, sendo vitima de um crime(como por exemplo o estupro) o autor não deveria ser responsabilizado como uma forma de prevenção geral e desestímulo ao comportamento negligente da vitima, que não protegeu adequadamente o seu bem.
  Nota-se  que a medida de segurança adotada pelo Ifba tem fortes influências machistas, um vez que ao ser aplicada, trata de maneira distinta homens e mulheres, sendo mais rigorosa com estas. O raciocínio implícito nesse modo de pensar é o de que os homens-aquele que agiu livre e conscientemente-não tem culpa da agressão sofrida pela mulher, pois uma vez que ela se vestiu “inadequadamente” de forma espontânea e voluntaria, ela saberia e concordaria com possíveis futuras consequências. Percebe-se, como já foi dito, a forte afinidade que esse pensamento tem com as ideias de Schünemann.
  Portanto, ao passo que a vitima negligenciou no cuidado com seu bem, o agressor passa a não ter responsabilidade pelo ocorrido, devendo ficar impune. Dessa maneira, percebe-se que a medida mencionada reafirma o machismo inerente a sociedade e, talvez inconscientemente, defende a postura adotada pelos agressores, cabendo a sociedade o papel de questioná-la.



Karen Kuentzer

[2] SCHUNEMANN, Bernard. El sistema del ilícito jurídico penal:concepto de bien jurídico y victimodogmatica como enlace entre el sistema de la parte general y la parte especial. OBRAS,Tomo II.

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