Segundo
Schünemann, o direito penal é o ramo do direito que regula e impõe sanções,
caso venha a ocorrer algum resultado lesivo a determinado bem jurídico tutelado
pelo próprio direito penal. A fundamentação de responsabilidade no decurso
histórico do direito penal, sempre esteve atrelada à uma ideia de nexo causal
puramente mecânico e objetivo (conceito predominante nas sociedades
primitivas). Resquícios desse sistema até hoje vivem nos ordenamentos jurídicos
contemporâneos e influenciam outros institutos, como a responsabilidade via
teoria do domínio do fato, ou seja, a responsabilidade é justificada pelo
status social e hierárquico do agente. Aqui, podemos diagnosticar, também, uma
imputação causal, que inclusive adentra a condenada seara do direito penal do
autor[1].
Segundo
o autor alemão, no direito penal moderno, cuida-se de verificar o elemento
subjetivo, o dolo e a culpa, visto que a imposição de penas por comportamentos
não culpáveis seria um retrocesso e uma imputação irracional.[2]
O artigo citado, entretanto, focará no elemento objetivo e como este pode ser
prevenido e evitado pelo direito penal.
Schünemann
argumenta que o direito penal na modernidade é legitimado e limitado pelo
conceito do contrato social, ou seja, existe para prevenir danos sociais (expressão
que evoluiu para lesão a direito, criada por Feuerbach, e atualmente é
denominada como proteção a bens jurídicos, conceito sedimentado por Von Liszt) e
é vigiado para que seu uso e direcionamento não se baseie em mera proteção e
fomento de determinadas “formas de vida” ou ideologias.[3]
O
autor também discorre sobre bens individuais e bens coletivos, e mostra que
suas identidades variam de acordo com a estrutura social e o desenvolvimento de
determinada sociedade. Para que se fira um determinado bem jurídico coletivo,
não basta um mero afronto moral ou religioso, há de se lesionar um bem jurídico
fundamental à estabilidade desse meio social, há de se configurar uma “ameaça à
paz pública.”[4]
O
Jurista ainda conceitua os bens jurídicos individuais no âmbito coletivo, como
a honra (reconhecido pela ordenamento alemão), e os bens jurídicos coletivos
aparentes, como por exemplo a saúde pública, que é vista pelo autor como a soma
das saúdes individuais.[5]
Há, aí, segundo o autor, uma lógica perversa de punição, visto que o uso de
drogas, por exemplo, não lesiona a saúde pública, senão que somente a saúde do
usuário.
As
limitações e legitimações do direito penal estão fundadas em condições e
conceitos supralegais, não tendo que estar, necessariamente, abarcadas na
Constituição de determinado Estado. O autor crítica a inexistência, no
ordenamento jurídico alemão, de uma teoria da limitação do direito penal, tendo
a doutrina e o legislador que se apoiarem nas “frouxas amarras dos direitos
fundamentais e do princípio da proporcionalidade.”[6]
O
penalista alemão crítica, também, o Supremo Tribunal Alemão em não reconhecer o
princípio da proteção dos bens jurídicos, visto que este se encontra
pressuposto no contrato social (contido em todas as constituições dos Estados
democráticos de Direito). O desprezo à esse princípio pode levar a
consequências desastrosas, como por exemplo, o uso indiscriminado e arbitrário do
direito penal em Estados autoritários mascarados de Estados democráticos de
Direito, como o Estado nazista[7].
Essa negação do princípio da proteção dos bens jurídicos implica numa negação
dos próprios direitos fundamentais do Estado democrático de Direito. A
ampliação e desenvolvimento do Estado liberal em Estado social agrava ainda
mais essa necessidade de observância do citado princípio.
O
jurista prega que bem jurídico não pode ser encarado como um conceito vazio,
“trata-se de uma diretriz normativa carecedora, mas também passível de
concretização.”[8]
Este princípio fornece uma orientação do que o Estado pode ou não
tipificar/proteger. Os bens individuais, citados anteriormente, se mostram como
bens indispensáveis para o pleno desenvolvimento do indivíduo, singularmente
considerado. Já os bens coletivos se encontram na manutenção da ordem pública e
num interesse urgente de convivência, faz-se novamente a crítica de que esses
bens não podem servir como manutenção e propagação de meras ideologias ou
formas de vida, como por exemplo a religião.
Cita-se
no artigo, também, outros pressupostos de limitação, como a idoneidade e a
necessidade, não sendo suficiente “perseguir um fim elogiável.”[9]
O direito penal deve se concentrar em condutas extremamente nocivas à bens
jurídicos, ou seja, deve intervir o mínimo possível na liberdade dos
indivíduos. Aqui, novamente, surge o conceito de direito penal como ultima ratio.
Schünemann
também faz uma relação do direito penal com o direito administrativo, pondo que
este muitas vezes é mais eficiente (com seu poder de polícia) que o anterior.
Porém, em determinados casos, se mostra a necessidade de tutela pelo direito
penal. Cita-se exemplo do transito da Alemanha, onde a tutela administrativa se
mostra insuficiente para evitar, eficientemente, danos à bens jurídicos, além
de criticar a ideologia abolicionista da Escola de Frankfurt. Conclui, o autor,
que o direito penal não tem que ser, necessariamente, subsidiário e posterior
ao direito administrativo. A ultima ratio
deve se guiar em construções de grupos de caso, se valendo de uma análise tridimensional
(contexto histórico-social, recursos e possibilidades para uma proteção
efetiva).
Em
sua conclusão, o autor faz uma análise do papel da vítima como portador e
protetor do seu próprio bem jurídico. Segundo ele, não se pode proteger o bem
jurídico “contra a vontade de seu titular”[10],
visto que violaria a liberdade do indivíduo em dispor de seu bem jurídico.
Crítica que, nesse ponto da disposição individual de bem jurídico próprio,
entendemos ser muito relevante, apesar de não concordamos com a ideia pregada
pelo autor, de que se a vítima se faz relapsa ou não toma todos os cuidados
necessários para a manutenção do seu bem jurídico, a mesma perderia seu direito
de proteção e de tutela pelo direito penal. Tal desmerecimento da proteção
penal, no nosso entendimento, ensejaria em um estímulo de delitos, quando as
circunstâncias o propiciassem.
O
penalista cita como exemplo um dispositivo alemão que desconsidera o
consentimento do ofendido quando determinada prática viola os bons costumes. Há
aqui, segundo ele, uma ofensa ao princípio da determinação, e uma falha de
precisão semântica, visto que a expressão “bons costumes”[11]
é de interpretação extremamente subjetiva. Isso seria, para o autor, uma
tentativa do legislador em impor determinada forma de vida, prática abominada
pelo direito penal de um Estado democrático de Direito.
O
autor cita também como exemplos, o induzimento e auxílio ao suicídio e o
homicídio a pedido da vítima, argumentando que ambos os tipos são justificados
por um mero cunho e moral cristã, ainda impregnada em nossa sociedade, sendo
tal legitimação demasiadamente insuficiente. Nesses casos, segundo o Schünemann,
só se seria plausível uma proteção paternalista à bens jurídicos de pessoas que
não estivessem completamente conscientes ou com capacidade de auto determinação
no momento do consentimento.[12]
Encerra-se o artigo novamente com a ideia de que a vítima, que como portadora
de seu bem jurídico, não o protege de maneira correta e eficaz ou mesmo dispõe
de seu bem jurídico, perderia sua expectativa de tutela e proteção pelo direito
penal.
Crítica escrita por Lucas Spanholi, desenvolvida como parte das atividades do grupo de estudo Extra-Muros da Faculdade Baiana de Direito, orientado pela Professora Daniela Portugal, Mestre em direito penal pela Universidade Federal da Bahia.
Referência: SCHÜNEMANN, Bernd. Estudos de direito penal, direito processual penal e filosofia do direito; Coordenação Luís Greco. São Paulo: Marcial Pons, 2013. P. 69
Referência: SCHÜNEMANN, Bernd. Estudos de direito penal, direito processual penal e filosofia do direito; Coordenação Luís Greco. São Paulo: Marcial Pons, 2013. P. 69
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