segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Crítica a Bernd Schünemann: Limitações do Direito Penal Moderno e o Papel da Vítima Como Portadora e Protetora de Seus Bens Jurídicos



Segundo Schünemann, o direito penal é o ramo do direito que regula e impõe sanções, caso venha a ocorrer algum resultado lesivo a determinado bem jurídico tutelado pelo próprio direito penal. A fundamentação de responsabilidade no decurso histórico do direito penal, sempre esteve atrelada à uma ideia de nexo causal puramente mecânico e objetivo (conceito predominante nas sociedades primitivas). Resquícios desse sistema até hoje vivem nos ordenamentos jurídicos contemporâneos e influenciam outros institutos, como a responsabilidade via teoria do domínio do fato, ou seja, a responsabilidade é justificada pelo status social e hierárquico do agente. Aqui, podemos diagnosticar, também, uma imputação causal, que inclusive adentra a condenada seara do direito penal do autor[1].
Segundo o autor alemão, no direito penal moderno, cuida-se de verificar o elemento subjetivo, o dolo e a culpa, visto que a imposição de penas por comportamentos não culpáveis seria um retrocesso e uma imputação irracional.[2] O artigo citado, entretanto, focará no elemento objetivo e como este pode ser prevenido e evitado pelo direito penal.
Schünemann argumenta que o direito penal na modernidade é legitimado e limitado pelo conceito do contrato social, ou seja, existe para prevenir danos sociais (expressão que evoluiu para lesão a direito, criada por Feuerbach, e atualmente é denominada como proteção a bens jurídicos, conceito sedimentado por Von Liszt) e é vigiado para que seu uso e direcionamento não se baseie em mera proteção e fomento de determinadas “formas de vida” ou ideologias.[3]
O autor também discorre sobre bens individuais e bens coletivos, e mostra que suas identidades variam de acordo com a estrutura social e o desenvolvimento de determinada sociedade. Para que se fira um determinado bem jurídico coletivo, não basta um mero afronto moral ou religioso, há de se lesionar um bem jurídico fundamental à estabilidade desse meio social, há de se configurar uma “ameaça à paz pública.”[4]
O Jurista ainda conceitua os bens jurídicos individuais no âmbito coletivo, como a honra (reconhecido pela ordenamento alemão), e os bens jurídicos coletivos aparentes, como por exemplo a saúde pública, que é vista pelo autor como a soma das saúdes individuais.[5] Há, aí, segundo o autor, uma lógica perversa de punição, visto que o uso de drogas, por exemplo, não lesiona a saúde pública, senão que somente a saúde do usuário.
As limitações e legitimações do direito penal estão fundadas em condições e conceitos supralegais, não tendo que estar, necessariamente, abarcadas na Constituição de determinado Estado. O autor crítica a inexistência, no ordenamento jurídico alemão, de uma teoria da limitação do direito penal, tendo a doutrina e o legislador que se apoiarem nas “frouxas amarras dos direitos fundamentais e do princípio da proporcionalidade.”[6]
O penalista alemão crítica, também, o Supremo Tribunal Alemão em não reconhecer o princípio da proteção dos bens jurídicos, visto que este se encontra pressuposto no contrato social (contido em todas as constituições dos Estados democráticos de Direito). O desprezo à esse princípio pode levar a consequências desastrosas, como por exemplo, o uso indiscriminado e arbitrário do direito penal em Estados autoritários mascarados de Estados democráticos de Direito, como o Estado nazista[7]. Essa negação do princípio da proteção dos bens jurídicos implica numa negação dos próprios direitos fundamentais do Estado democrático de Direito. A ampliação e desenvolvimento do Estado liberal em Estado social agrava ainda mais essa necessidade de observância do citado princípio.
O jurista prega que bem jurídico não pode ser encarado como um conceito vazio, “trata-se de uma diretriz normativa carecedora, mas também passível de concretização.”[8] Este princípio fornece uma orientação do que o Estado pode ou não tipificar/proteger. Os bens individuais, citados anteriormente, se mostram como bens indispensáveis para o pleno desenvolvimento do indivíduo, singularmente considerado. Já os bens coletivos se encontram na manutenção da ordem pública e num interesse urgente de convivência, faz-se novamente a crítica de que esses bens não podem servir como manutenção e propagação de meras ideologias ou formas de vida, como por exemplo a religião.
Cita-se no artigo, também, outros pressupostos de limitação, como a idoneidade e a necessidade, não sendo suficiente “perseguir um fim elogiável.”[9] O direito penal deve se concentrar em condutas extremamente nocivas à bens jurídicos, ou seja, deve intervir o mínimo possível na liberdade dos indivíduos. Aqui, novamente, surge o conceito de direito penal como ultima ratio.
Schünemann também faz uma relação do direito penal com o direito administrativo, pondo que este muitas vezes é mais eficiente (com seu poder de polícia) que o anterior. Porém, em determinados casos, se mostra a necessidade de tutela pelo direito penal. Cita-se exemplo do transito da Alemanha, onde a tutela administrativa se mostra insuficiente para evitar, eficientemente, danos à bens jurídicos, além de criticar a ideologia abolicionista da Escola de Frankfurt. Conclui, o autor, que o direito penal não tem que ser, necessariamente, subsidiário e posterior ao direito administrativo. A ultima ratio deve se guiar em construções de grupos de caso, se valendo de uma análise tridimensional (contexto histórico-social, recursos e possibilidades para uma proteção efetiva).
Em sua conclusão, o autor faz uma análise do papel da vítima como portador e protetor do seu próprio bem jurídico. Segundo ele, não se pode proteger o bem jurídico “contra a vontade de seu titular”[10], visto que violaria a liberdade do indivíduo em dispor de seu bem jurídico. Crítica que, nesse ponto da disposição individual de bem jurídico próprio, entendemos ser muito relevante, apesar de não concordamos com a ideia pregada pelo autor, de que se a vítima se faz relapsa ou não toma todos os cuidados necessários para a manutenção do seu bem jurídico, a mesma perderia seu direito de proteção e de tutela pelo direito penal. Tal desmerecimento da proteção penal, no nosso entendimento, ensejaria em um estímulo de delitos, quando as circunstâncias o propiciassem.
O penalista cita como exemplo um dispositivo alemão que desconsidera o consentimento do ofendido quando determinada prática viola os bons costumes. Há aqui, segundo ele, uma ofensa ao princípio da determinação, e uma falha de precisão semântica, visto que a expressão “bons costumes”[11] é de interpretação extremamente subjetiva. Isso seria, para o autor, uma tentativa do legislador em impor determinada forma de vida, prática abominada pelo direito penal de um Estado democrático de Direito.
O autor cita também como exemplos, o induzimento e auxílio ao suicídio e o homicídio a pedido da vítima, argumentando que ambos os tipos são justificados por um mero cunho e moral cristã, ainda impregnada em nossa sociedade, sendo tal legitimação demasiadamente insuficiente. Nesses casos, segundo o Schünemann, só se seria plausível uma proteção paternalista à bens jurídicos de pessoas que não estivessem completamente conscientes ou com capacidade de auto determinação no momento do consentimento.[12] Encerra-se o artigo novamente com a ideia de que a vítima, que como portadora de seu bem jurídico, não o protege de maneira correta e eficaz ou mesmo dispõe de seu bem jurídico, perderia sua expectativa de tutela e proteção pelo direito penal.




Crítica escrita por Lucas Spanholi, desenvolvida como parte das atividades do grupo de estudo Extra-Muros da Faculdade Baiana de Direito, orientado pela Professora Daniela Portugal, Mestre em direito penal pela Universidade Federal da Bahia.

Referência: SCHÜNEMANN, Bernd. Estudos de direito penal, direito processual penal e filosofia do direito; Coordenação Luís Greco. São Paulo: Marcial Pons, 2013. P. 69

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